31/01/2008

máscara de rosas

Ele já estava acostumado em não transparecer os seus sentimentos, aprendera técnicas que só com ele mesmo funcionaram. Todos os dias, ao acordar, faz as mesmas coisas. Toma seu banho, o seu café, sempre a mesma marca de iogurte, troca de roupa enquanto assiste as primeiras notícias do dia, mas antes de sair de casa pega uma máscara no armário do quarto e a usa durante o dia. É um ritual que deve ser cumprido à risca.
Já estava, totalmente, integrado a sua nova realidade. Afinal, foram longos nove meses até a adaptação total. Um parto. Um longo e árduo caminho até aqui. Não somente a redenção, além de tudo a aceitação. Treinou em aceitar, e de tanto treino de fato conseguiu. Estava apto a ser frio e calculista. Prometera a si e a tudo que havia de importante, o amor-próprio, que jamais iria sofrer novamente. Não daquela forma. Não incompreensivelmente daquela maneira. Não mais.
Havia a custo de tantas lágrimas aprendido a lição. Então, começou o seu tratamento. Antes de qualquer coisa, chorou. Lágrimas amargas, frutos de uma felicidade doce. De joelhos se rendeu, com o coração em frangalhos lamentou: Por não ter sido o suficiente e ter deixado aquela chama se apagar, por ter se entregado tão facilmente a um amor. Lamentou profundamente por tudo até que um alguém desconhecido o abraçou, e sem dizer nada o acalmou. Esse tinha sido o primeiro passo, só o inicial de tantos outros.
O segundo foi tão mais doloroso que pensou em desistir, desabar e sair correndo. Mas ele era mais forte que a sua vontade e prosseguiu firme. Após aquele primeiro passou o que sentia se resumia em ânsia. E para a sua não havia remédio, somente uma cura, uma cirurgia sem anestesia. Deveria ser um amputamento. Isso o angustiou e foi nesse instante que pensou em desistir, pensara que não suportaria, estava enganado. Vomitou tudo que sentia. Transformou a ânsia, antes abstrata em um objeto. Contrações de dentro o avisaram da coisa, e foi com força, muita força, uma força sobrenatural, que ele nunca imaginou ter que arrancou. E veio constante, pulsando de tão viva. Suas pontas brilhantes o cortaram todo, cortes profundos. Uma dor viva e alvíssima gritava até que sufocada pelo sangue escarlate, calou-se, estava morta. No fim, uma semente, de tons dourado, em forma de estrela saiu por sua boca. Novamente chorou, mas sem se lamentar.
Construiu um mausoléu em forma de jardim para guardar a semente. E o fez com afinco, por fim e bem no centro enterrou a semente e se lembrou de esquecer de lembrar para que não a cultivasse. Estava morta, portanto não regou.
O terceiro passo foi mais simples. Era o do faz de conta. Agora por ser oco não era tão difícil fingir. Fazia de conta que não havia o jardim. Fazia de conta que uma felicidade o preenchia. Fazia de conta que era auto-suficiente. Fazia de conta que a liberdade era exalada por suas narinas. Fazia de conta que não havia cicatrizes da ânsia. Fazia de conta que não sabia chorar. Fazia de conta que era o dono da sua vida. Fazia de conta que tinha tudo que precisava, e não precisava de muito. Fazia de conta que já tinha aprendido tudo que alguém precisa aprender. Fazia de conta que era leve. E acima de tudo, fazia de conta que todo o faz de conta era de verdade.
Esse último faz de conta era o principal, pois no fundo uma voz deveria ser abafada. Era a voz da razão, da verdade que tentava, em vão, lhe sussurrar que tudo era mentira. E esse faz de conta era fermento, e depois de fermentado, cresceu. Amargou. Era regente. Dominante. E o faz de conta se tornou a verdade.
Agora, faltava o último passo. Construir e incluir todo esse processo em sua rotina, mas deveria ser simplório. Não gostaria de passar tudo novamente. Pesquisou e o adaptou. Construiu com as próprias vontades uma máscara, e a usava diariamente. Pronto, estava terminado.
Hoje, se passou mais de um ano desde o choro inicial. Sua vida era a rotina de sempre. Só que estava forte e acostumado aquilo todo. Totalmente adaptado. Não desejava mais nada. Estava pronto e determinado a ser, até a sua morte, daquele jeito. Inclusive, se achou preparado a voltar ao mausoléu que tinha construído.
No outro dia, após um dia normal no trabalho, tratou de ir até lá. E assim o fez. Chegou de peito erguido, mas logo se benzeu como demonstração de cumplicidade com tudo que aquilo representava. Entrou com a certeza que estava preparado para finalmente rir de todo aquele passado. Enganou-se.
Ao olhar para o centro, vislumbrou uma rosa amarela, vigorosa, deslumbrante, magnífica e de um aroma inexplicável. A luz e força que exalava eram tão sublimes que foram capaz de quebrar a máscara. Não se contendo, caiu e de joelhos agradeceu. Novamente chorou. Ao ter de deixar o jardim compreendeu que a amava fortemente. Viu indo com o vento a sua promessa. Não poderia cumprir, por um simples motivo: A Rosa passou a ser mais que tudo, passou a ser a razão.
ps: não sei dar título aos meus textos.

26/01/2008

Maior amor do mundo

Por vezes fico intrigado com coisa pouca. Começa com uma mera pergunta, e vai inflando, inflando e inflando. Inflamando. Passa a ser uma espécie de crise, profunda e séria. Fogo ardente. Sinto-me febril, queimando, ardendo em dúvidas.
Recentemente esse fogo me consumiu através de um título de um bom filme nacional: ‘O maior amor do mundo’. E ao sair daquela escuridão e contemplar a luz não fiquei de fato enxergando tudo claramente. Meus pensamentos eram chamas ardorosas, consumiram cada instante até que cansado, compartilho convosco desse fogo. Sirvo de brisa, daquelas que espalham suavemente o fogo sobre a pastagem virgem
A causa do incêndio é aparentemente sem sentido. Quando se olha superficialmente, claro. Mas não é. E nisso, de não deixar transparecer, é que vai inflamando cada vez mais. Pare agora antes de ler a próxima frase. A razão do ardor é a descoberta da dimensão do amor.
Amamos, naturalmente, muitas coisas. Incluindo objetos, sensações, animais, pessoas e até pensamentos. Abre parênteses (gosto da palavra parênteses, não do símbolo, esse me parece algo tão “desemocional”). Não confunda o gostar com o amar. Aparentemente idênticos, mas o gostar é várias vezes de menor intensidade se comparado ao amar. O gosto evolui para amor, no exato instante que aquele passa a nos doer. Tudo no silêncio, nunca percebemos. Fecha parênteses.
Eu, por exemplo, amo coca-cola, chuva, andar descalço, árvores, blusas brancas, Bossa Nova, Elis Regina, vermelho, sapato velho, cheiro de novo, vento nas orelhas, angústia, farinha láctea, leite gelado, Maria Rita, água gelada, manhãs de domingo, macarrão, livros, pôr do sol, sorvete de brigadeiro, ..., Jazz, Amy Winehouse, Clarice Lispector, Oswald de Andrade, meu afilhado, amigos, Português, Literatura Brasileira, tardes de sábado, família, teatro e abraços. Se você possui cadastro em alguma rede virtual, tente pesquisar, achará amantes disso e inclusive daquilo.
Ninguém passa uma vida inteira imune ao amor. Acreditem. Inclusive aqueles que se negaram a se relacionar com outras pessoas, esses invariavelmente amaram a solidão. Os que não amaram nem a si próprio, provavelmente amavam, numa espécie de inveja, o semblante do próximo. Possa até ser, e agora vislumbro com seriedade este fato, aqueles que nunca foram alvo do amor, os que sob hipótese alguma nunca foram o complemento verbal do amar. Deve ter existido alguém que não tenha sido amado, mas quem nunca amou é boataria.
Sabendo disso, somos automaticamente capazes de entender o tamanho real de cada amor. Ninguém ama tudo da mesma forma. Verdade seja dita: Não é possível e se torna lamentável quem assim afirma. Tente imaginar uma situação extremista, onde você deverá ser o algoz de um de seus amores. Surgiriam dúvidas sobre qual deles aniquilar, mas somente você seria capaz de decidir, e afirmo que, com um pouco de receio, a sua escolha seria, talvez involuntariamente, feita. A contra gosto, mas existiria. Confesso que parece um exagero, dos brabos, mas quando falo de amor devo ser exagerado. Assim ele o pede que sejamos.
Aliando a certeza que todo mundo ama ao fato que não existe amor igual, podemos tirar a conclusão que, de algum modo, existe o tal do maior amor do mundo. Ou seja, cada um tem plenas condições de bradar quem ou o quê lhe infla mais quando o assunto é o amor. Simples como amar, e leve se fácil fosse. Infelizmente não é.
Cazuza, o cantor, em carta a sua mãe Lucinha escreveu uma frase que me emocionara bastante: ‘[...] Te amo do umbigo. [...]’. Acreditei por meses que essa era a prova real de que o amor pais-filho era o maior de todos. Novamente fui enganado, o amor que me desde sempre me cegava. Vieram Suzanes, abortos, tragédias e abandonos. E a certeza foi diminuindo na intensidade, ao ponto de se transformar novamente em dúvida. Regressão.
Qual seria o maior? Alguém seria capaz de amar mais um pedaço de torta de chocolate do que a própria mãe? Como aceitar que é tudo igual? Existe cabimento pra isso? Como explicar o porquê de alguém doer mais do que outrem?...
Essas dúvidas me queimavam, ardentes. E o devaneio de um mero pensamento já o inflavama mais. Era uma fogueira, forte, vermelha. Até que num desequilíbrio: a água. E a fogueira foi, aos poucos, sendo reduzida a cada gota. E como isso?
Simples, deixei de pensar no amor. Passei a senti-lo.