Na última semana, sem querer, passei em frente a um velório. Uma funerária, muita tristeza, um calafrio suspenso e flores – muitas flores. Pude ver o cansaço estampado nos rostos dos mais aflitos. Nunca saberei o motivo da morte, mas no instante que observei a cena, soube o motivo do cansaço. Eles estavam cansados de tentar entender o porquê/como tudo aquilo acontecera. Devem ter praguejado, relutado, lutado, revidado, chorado e lamentado. Até que cansados resolveram aceitar, o que não é tão incomum nessas situações. Renderam-se. Haviam muitas palavras perdidas, e eu sentia todos os cheiros. Eram “obrigados, adeus, volte, não, por que, como, amo, acredito, Deus, céu, morte, descanso,..., inferno”, todos com cheiro amargo do arrependimento. Ninguém notou minha presença, estavam exaustos demais para perceber o óbvio. Houve uma lágrima minha de compaixão, eu os entendia bastante e por entendê-los não conseguia dizer uma só palavra. O meu silêncio dizia tudo, e todos aceitavam. Então, novamente, tu me reapareces e uma nova verdade, vestida com um velho manto: Não estou preparado para te ver morrer. Há tanta vida que ainda não compartilhamos, tantas palavras suspensas que ainda não consegui pegar para te entregar. Por favor, não morra. Não agora.
01/04/2008
Velório
25/03/2008
Nós é um
Eu queria te fazer feliz,
amar-te até perdemos o fôlego.
E juntos, novamente, iríamos longe.
Tu e eu tão distantes de todos e de tudo
que somente o silêncio nos envolveria.
Nada de cansaços, nada de nada.
Nos bastaríamos e mesmo na ignorância
a nossa verdade seria uma só:
nós é um, sem sabermos.
21/03/2008
Estrelas.
04/03/2008
precisão
E foi pouco após o fim da noite longa e violenta, onde corpos lutavam contra o pudor e ter liberdade era lema para se prender ao paraíso. Foi exatamente após o fim de uma batalha pessoal, de eu-branco contra eu-negro, de tu-branco contra tu-negro – batalhas distintas – após lutarmos contra o nosso próprio Deus. Mas não antes de chegarmos a conclusão de que o nosso próprio Deus é tudo aquilo que não somos, Ele é nossa sombra mas sem ser nós, ou misturar-se: tem o nosso formato mas não a nossa propriedade. Foi depois de tanta coisa ruim, e não antes de estarmos tão cansados a ponto de nos fecharmos para o mundo em uma cegueira permitida. Foi agora, nesse momento que cegos para o mundo além de nós e tão livres que nos permitimos voar para longe de todos que chegamos a doce conclusão da nossa necessidade. Foi depois de um abraço e algumas palavras soltas, coloridas por uma verdade-escura, que percebemos finalmente o tanto que precisamos um do outro, e com uma urgência tremenda.
26/02/2008
Ser
O que qualquer coisa precisa para ser? Sou, logo existo. Existir não é certeza de ser, mas ser é fruto de existir. Só se é quando se existe. Não se ensina a existir, assim como não se ensina a ser. Vai sendo intuitivamente, porém não se vai existindo. Existir é único, de primeira, existe-se e pronto. Nunca mais terás outra chance de existir novamente. E Deus disse: Existam. Então tudo o que existe, é. E do instante posterior ao existir, as coisas estão sendo. Ser é invenção. Inventa-se mundos, fatos, estórias, piadas, músicas. Depois junta-se tudo e formamos um ser, que é por existir e não o contrário. Nem todos os que existem, são. Há aqueles que por ter surdez, não ouviram o grito de Deus, mas existiram por bonança. E como não tiveram a noção de que existiam, não foram, e não são até hoje, só existem. Porém, existir não lhes é suficiente, muitos optam por não mais existir, outros vão sendo intuitivamente sobreviventes (mas não necessariamente são, somente sobrevivem). Aliás, há quem exista e não quer ser por opção, e luta contra, e se contrai, e retrai, e se isola. Tolos. Mal sabem que mesmo fazendo isso, continuam sendo. E vão ser até o fim. Ser, apesar de intuitivo, é inevitável.